quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ela não tira meleca!


Estou há pelo menos uns quatro anos sem criar nada novo como atriz, embora sempre tenha estado em cena nesse tempo em trabalhos que perduraram por alguns anos. E eis que aqui me encontro novamente: dando vida à coisa nova! A Nina, pra ser mais precisa – se me permitem, vou falar aqui do meu processo, em outra oportunidade viajo pelo coletivo.
Depois desse tempo me doando aos mesmos espetáculos, que exigiam de mim o desafio de repetir sempre criando, eu confesso que me dei conta da ferrugem que tomou conta de mim logo de cara.
O primeiro dia de ensaio foi estranho. Buscar a Nina no meu corpo foi como mergulhar no vazio. O andar parecia fora do lugar, meu tamanho não cabia nela, e eu querendo fugir dos clichês. O primeiro impacto foi ruim.
Eu me senti perdida demais nos primeiros momentos – e confesso que ainda me sinto. Acho que um bom motivo pra tanta “perdição” é o fato de ter ficado acostumada a processos onde eu tinha muito tempo pra criar os personagens, vindo o texto e a cena muito depois.
Nesse processo me deparei com algo novo: o surgimento da personagem junto com os esboços da abertura da peça. Difícil pra mim esse caminho. Eu tinha poucos elementos pra colocar pra fora, sentia falta do mergulho, do tempo de criação, de estímulos que me indicassem um caminho.
Optei por abraçar a cegueira e o vazio por completos. Arrisquei-me a começar a conhecer a Nina por esse mergulho no nada. Se me faltavam nortes, me sobrava todo o resto, podendo eu encontrar a Nina em muitos lugares. Eu senti necessidade de não colocá-la tão pra fora, o que poderia ser uma encrenca.
Segui com a Nina mais dentro de mim que ao alcance dos olhares da equipe. Pelo menos até onde deu. Depois tive que ir me aventurando. Eu que sempre tendo a fazer a cena a mais limpa e precisa possível, tive que abrir mão disso, pra me arriscar mais, me jogar de uma altura que eu nem sabia qual era, perigando uma queda enorme. Mas acho que está valendo à pena.
O primeiro esboço de Nina surgiu no dia em que fomos rascunhar a abertura, criando relações entre os atores, cantando, se olhando... Eu bebo muito no coletivo, eu gosto da troca, e poder receber o que vinha do olhar do colega de cena, foi um grande ingrediente.
Nesse momento acho que encontrei minha disponibilidade de atriz, para em seguida cedê-la a Nina. O grupo havia me ganhado, e eu estava começando a ganhar a Nina.
O segundo elemento ao qual me apeguei e que vem me dando muito estímulo é a corda. Corda de pular, de criança de antigamente, que suava na brincadeira. A Nina sua, perde o fôlego, erra a contagem, muda o ritmo, faz da corda outros inventos e imagina um mundo dela. Meio moleca essa Nina que me veio.
Mas como bem lembra o diretor, ela também tem uma delicadeza. E é uma delicadeza muito profunda, interna e muito sensível. Ela se magoa. Ela não acredita que alguém não possa ter histórias pra contar. Ela provoca simplesmente sendo quem ela é. Ela ironiza pela forma como vive.
Aí eu acho que a Nina é meio Manoel de Barros, ou melhor, a visão de infância dele, ao mesmo tempo em que é meio Amelie Poulain, permeada de uma inocência que tem certa acidez. Inúmeras nuances tem essa “ menina, franzina, traquina, moleca”. Ela realmente “pinta o sete, o oito e o dez”. Mas repare bem, “ela não tira meleca”!

Marina!

5 comentários:

  1. Meu Deus, como eu gosto de ler tudo o que tu escreves!!
    ADORO..
    curta este processo mesmo, que são únicos...

    bjocas com saudades

    ResponderExcluir
  2. Lembro de um texto seu que me inspirei uma vez no processo do espaço em Aberto e que pode ser que te ajude,afinal, ele é seu:

    `Trata-se, sobretudo, de descobrir o que o corpo guarda em seus lugares mais ocultos. Aqueles com que menos mantemos contato, que menos sentimos, que menos queremos tocar'.
    Esta descoberta consiste em propiciar ao ator um contato consigo mesmo e com o mundo, fazer do encontro com suas próprias frustrações e sofrimentos um acordar interior.

    ResponderExcluir
  3. delícia Boi! Aproveita, se delicia.... se perdeeee... pra depois se encontrar e sentir até saudade de tá perdida....
    Já gosto da Nina
    beijos

    ResponderExcluir
  4. To adorando descobrir aos pouquinhos essa Nina em cena, que me estimula à troca e me traz um entendimento, também aos pouquinhos, de quem é esse que não tem história.
    bjo!

    ResponderExcluir
  5. fabiiii que bom que gostas dos meus escritos. huhu
    Sandra, eu nem lembrava desse texto, mas ela cai muito bem nesse momento. gostaria de ter visto os trabalhos de vocês...
    boiiiii, a nina é a tua cara hahahahaha tu vai gostar dela
    dandan é isso ai ne? aos pouquinhos a gente vai se encontrando. o estímulo que vem do outro é fundamental. meu deussssss, daqui a pouco vai faltar pouco pra estreia [a exagerada] hahaha

    bjs

    ResponderExcluir